Tendo atuado em grande número de recursos especiais, o escritório sabe bem que não basta apresentar uma ementa para mostrar um argumento favorável ao cliente, sendo necessário entender a fundo o que se passa em cada demanda e em cada julgamento, para se conseguir chegar à verdadeira “ratio decidendi”.
Entre outras hipóteses, isso é fundamental para mostrar ter ou não ocorrido prestação jurisdicional incompleta, sendo o recurso aqui tratado um bom exemplo.
De fato, por vezes, é bastante tênue a linha entre um caso em que se decide não ter ocorrido prestação jurisdicional incompleta, já que “o julgador não é obrigado a examinar uma a uma as alegações da parte”, e outro em que se dá esse reconhecimento de estar incompleto o decisum recorrido, visto que um determinado argumento não foi examinado. A primeira linha de argumentação acima estava prevalecendo até o escritório ser contratado e tivemos um caminho árduo a percorrer até conseguir fazer com que vingasse a tese da segunda.
É que, como revelam vários julgamentos, para caracterizar a violação ao artigo 535 do CPC de 1973 – ou ao artigo 1022 do CPC atual – não basta o simples fato de um tema levantado por uma parte em um processo não ser examinado em 2º grau, mesmo após a oposição de embargos de declaração, já que o argumento pode não ter grande relevância e, como visto, os julgadores não têm que examinar um a um os argumentos expendidos.
Não obstante, mesmo na vigência do CPC revogado, era obrigatório o exame de uma alegação relevante que, ao menos “in abstracto”, pudesse levar o julgamento a um resultado diverso, caso acolhida. Assim, além de demonstrar que a alegação foi feita a tempo e modo (na apelação ou em contrarrazões), foi reiterada em embargos de declaração e não foi devidamente examinada, forçoso demonstrar também ser ela apta a gerar uma solução diversa. O desafio colocado para o escritório neste caso foi o de demonstrar aos julgadores a força do argumento não analisado em 2º grau, ou seja, que ele poderia levar o julgamento a um desfecho diverso.
No caso, estava em discussão a diferença entre um condomínio horizontal e um loteamento. Nossa cliente havia realizado a incorporação imobiliária de um empreendimento chamado Condomínio Sítio das Hortênsias e vendeu uma das unidades para a parte contrária, que se arrependeu da aquisição, até por ter se mudado do Brasil, pleiteando então judicialmente o desfazimento do negócio.
No acórdão da apelação, prevaleceu o entendimento de que não se trataria de um condomínio horizontal, mas de simples “loteamento”, “já que a ré não se comprometeu a construir unidades autônomas, que é a obrigação primordial do incorporador imobiliário”.
O principal argumento de nossa cliente era o de que a legislação não exige a efetiva construção das casas para se caracterizar um condomínio horizontal, podendo a incorporadora apenas fazer aprovar o projeto de construção, o que o Superior Tribunal de Justiça já havia julgado anteriormente, no Recurso Especial 709.403/SP. A dificuldade: o argumento não ter sido devidamente examinado no acórdão recorrido, de forma que não se deu o chamado “prequestionamento”, tão necessário para o exame do recurso especial.
Assim, para convencer os julgadores a dar provimento ao recurso especial, o escritório teve que demonstrar que a Lei 4.591/66, que regula os condomínios horizontais, não exige do incorporador promover as edificações, mas sim que elabore um projeto de construção (memorial de incorporação), o que inequivocamente foi feito por nossa cliente, que conseguiu a aprovação do projeto perante as autoridades locais, além de ter cumprido todas as exigências legais. Tivemos a felicidade de conseguir fazer essa demonstração no agravo interno que interpusemos em face da primeira decisão, contrária. E de termos como relator o Ministro Lázaro Guimarães (desembargador do TRF da 5ª região, convocado), que nos ouviu com a devida atenção, nos dando razão em seguida.
Agradecemos aqui aos colegas que nos confiaram a missão de atuar no caso, em especial à equipe do Régis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados, parceiros de longa data e de várias vitórias.